Transformou-se num depósito de lixo, mas já foi Património da Humanidade: a ilha que acumula toneladas de resíduos

A poluição gerada pelos resíduos humanos tornou-se um dos desafios ambientais mais urgentes da nossa era. Diariamente, milhões de toneladas de lixo são despejadas no ambiente natural: desde plásticos que permanecem séculos a flutuar nos oceanos, até aparelhos eletrónicos em desuso que percorrem o planeta de um aterro para outro. Apesar dos esforços para reciclar e reduzir a produção de resíduos, a magnitude do problema continua a aumentar, com consequências devastadoras para ecossistemas inteiros. Um dos exemplos mais impactantes deste drama ambiental encontra-se num local insuspeito: uma remota ilha do Pacífico Sul, declarada Património da Humanidade pela UNESCO.

Por incrível que pareça, este paraíso natural, que outrora foi valorizado pela sua biodiversidade e isolamento geográfico, tornou-se um gigantesco aterro, vítima do abandono, da poluição global e da passividade internacional. Estamos a falar da ilha Henderson, um local que hoje representa de forma cruel o preço que a natureza paga pelo nosso modo de vida.

De Património Mundial a lixeira

A ilha Henderson, também conhecida no passado como ilha Elizabeth ou ilha San Juan Bautista, faz parte do território britânico ultramarino das Ilhas Pitcairn desde o início do século XX. Apesar de seu tamanho modesto de apenas 37 quilômetros quadrados, sua importância ecológica é enorme. Em 1988, a UNESCO incluiu-a na sua lista de Património Mundial, destacando que era um dos poucos atóis do planeta que conservava um ecossistema praticamente intacto. O seu isolamento permitiu o desenvolvimento de espécies endémicas e condições ideais para estudos científicos sobre evolução e biodiversidade.

No entanto, este tesouro natural sucumbiu ao impacto do plástico. Atualmente, as suas praias estão repletas de lixo, tornando-se um dos lugares mais poluídos do mundo. Estudos recentes estimam que em apenas 2,5 quilómetros de costa se acumularam cerca de 18 toneladas de resíduos e, o mais alarmante, somam-se cerca de 3.750 novos objetos de plástico por dia. Este número equivale a uma densidade de resíduos 100 000 vezes superior à média mundial.

A maioria destes resíduos é arrastada pelo Giro do Pacífico Sul, uma gigantesca corrente marinha que atua como um íman de lixo, trazendo consigo resíduos de diferentes pontos do planeta. Suspeita-se que grande parte dessa poluição venha da América Latina e de práticas industriais, especialmente a pesca, que apesar de ser proibida na zona, deixa uma marca indelével. A corrente deposita em Henderson todo o tipo de objetos: bóias, garrafas, baldes de plástico, redes, utensílios de cozinha e até brinquedos infantis.

Mas o mais preocupante é que grande parte desse lixo não é visível a olho nu. Estima-se que 68% dos resíduos estejam enterrados a apenas 10 centímetros da superfície da areia, com uma concentração de mais de 4.500 fragmentos por metro quadrado. Esta realidade transforma Henderson num laboratório do desastre ecológico que enfrentamos à escala global, um espelho incómodo dos nossos hábitos mais destrutivos.

As aves marinhas, que encontram em Henderson um local ideal para nidificar, começaram a ingerir plásticos confundidos com alimento, com efeitos fatais. Estima-se que mais de 55% das espécies de aves marinhas em todo o mundo são afetadas por este problema, incluindo duas espécies nativas da ilha.

Os caranguejos terrestres, habitantes habituais do ecossistema de Henderson, também tiveram de se adaptar a esta nova e nociva realidade. Privados dos seus refúgios naturais, muitos começaram a utilizar resíduos humanos como habitação. Tampas de garrafas, embalagens de cosméticos, fragmentos de brinquedos… qualquer cavidade serve como nova carapaça. Um estudo liderado pela investigadora Jennifer Lavers relatou o caso de um caranguejo que tinha feito da cabeça partida de uma boneca o seu novo lar. Esta imagem, tão perturbadora quanto simbólica, mostra até que ponto o lixo invadiu o mundo natural.

Este tipo de situação não só afeta a vida selvagem, como também transforma radicalmente os processos ecológicos dos quais dependem estes ecossistemas. O plástico altera a temperatura do solo, modifica a composição química da areia e atua como vetor para a introdução de espécies invasoras, quebrando o equilíbrio que caracteriza os ambientes insulares.

A tragédia de Henderson também revela a ineficácia das políticas internacionais em matéria de conservação. Apesar do seu estatuto de Património da Humanidade, a ilha tem sido vítima de abandono institucional. Não existem programas de limpeza permanentes, nem medidas de proteção eficazes contra a chegada de resíduos. A comunidade científica tem-se manifestado em várias ocasiões, alertando para o colapso ecológico que se aproxima, mas as respostas têm sido, na melhor das hipóteses, esporádicas e limitadas.

Alisia Pereira/ author of the article

Escrevo artigos, partilho ideias simples que tornam a vida mais fácil.

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