Os buracos negros supermassivos não só se destacam pela sua capacidade de engolir matéria no espaço, como também desempenham um papel fundamental na evolução das galáxias e na história do próprio universo. No coração da Via Láctea, Sagitário A* está inativo há milhares de anos, mas os astrónomos sabem que algum dia ele voltará a «acordar». Estudar como e quando essas reativações ocorrem permite não só vislumbrar o destino da nossa galáxia, mas também compreender melhor os mecanismos cósmicos que moldaram o universo como o conhecemos hoje.
O buraco negro supermassivo Sagittarius A*, localizado no centro da Via Láctea e cuja massa equivale a cerca de quatro milhões de vezes a do Sol, permaneceu milhares de anos num estado de relativa calma. No entanto, uma equipa internacional de astrónomos determinou a data em que este colosso poderá despertar novamente e entrar numa fase de intensa atividade. Isso ocorrerá quando a Via Láctea colidir com uma galáxia anã chamada Grande Nuvem de Magalhães (LMC, na sigla em inglês), atualmente localizada a cerca de 200.000 anos-luz da Terra.

Este fenómeno não ocorrerá imediatamente, uma vez que os cálculos estimam que a colisão entre a Via Láctea e a Grande Nuvem de Magalhães terá lugar dentro de cerca de 2 mil milhões de anos. Quando isso acontecer, a interação gravitacional canalizará grandes quantidades de gás para o centro galáctico, o que poderá reativar Sagitário A* e transformá-lo num núcleo ativo que emite enormes quantidades de radiação. Este tipo de cenários não só ajuda a compreender o futuro da nossa galáxia, mas também a estudar como os buracos negros supermassivos condicionam a evolução do cosmos.
O Telescópio Espacial James Webb (JWST) revolucionou a forma de observar o universo. Uma das suas descobertas mais notáveis é a deteção de uma galáxia batizada de The Sparkler, localizada a 9.000 milhões de anos-luz, que apresenta uma aparência muito semelhante à que a Via Láctea deve ter tido na sua juventude. The Sparkler tem apenas 3% da massa da Via Láctea e está rodeada por cerca de 24 aglomerados globulares, enquanto a Via Láctea atual abriga cerca de 200 aglomerados globulares. Como explicou o astrónomo Aaron Romanowsky, coautor do estudo que analisou esta descoberta, «a origem dos aglomerados globulares é um antigo mistério, e estamos entusiasmados com o facto de o JWST poder olhar para trás no tempo para os ver na sua juventude».
Buracos negros supermassivos
«Sagitário A* está a mais de 25 000 anos-luz da Terra e é o nosso buraco negro supermassivo mais próximo, com uma massa estimada em milhões de vezes a do nosso Sol. O buraco negro de Sagitário A (ou Sgr A*, pela sigla que os investigadores costumam usar e que se pronuncia «Sagitário A asterisco»), encontra-se na constelação de Sagitário, no coração da Via Láctea», explica a NASA.
Por sua vez, o Instituto de Astrofísica da Andaluzia (IAA) assinala que «a sua emissão é mais fraca e a sua capacidade de converter matéria em energia é até centenas de vezes menor do que noutros buracos negros mais massivos. Em 2020, os investigadores Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez receberam o Prémio Nobel da Física pelos seus estudos sobre Sagitário A*.
As semelhanças entre o The Sparkler e a Via Láctea oferecem pistas sobre a estreita relação entre a formação estelar e a atividade dos buracos negros supermassivos. Quando estes últimos permanecem «adormecidos», têm pouca influência na dinâmica galáctica. No entanto, quando «acordam» e começam a devorar gás e poeira, o material que cai em direção a eles forma um disco de acreção, onde atinge temperaturas de milhões de graus e gira a velocidades próximas à da luz. Esse processo gera radiação em vários comprimentos de onda, do infravermelho aos raios X.

A astrofísica Nathalie Degenaar, da Universidade de Amesterdão, resume da seguinte forma: «podemos ver a radiação de calor emitida pela matéria como luz visível, mas ela também irá irradiar em comprimentos de onda ultravioleta, raios X e infravermelhos». Além disso, muitos buracos negros ativos lançam verdadeiros canhões cósmicos de partículas e energia que se estendem por milhares de anos-luz, remodelando o ambiente galáctico.
O «despertar» de Sagitário A* está relacionado com a fusão da Via Láctea com a Grande Nuvem de Magalhães. À medida que a LMC se aproxima, a sua interação gravitacional enviará enormes quantidades de gás para o centro da Via Láctea, graças às quais Sagitário A* se transformará num AGN (núcleo galáctico ativo). O professor Carlos Frenk, da Universidade de Durham, esclarece que «o AGN galáctico desencadeado pela fusão com a LMC não será suficientemente potente para representar um perigo grave para a vida terrestre».
Mesmo que Sagitário A* «acorde», a sua radiação perderá intensidade ao viajar milhares de anos-luz. O astrofísico Joseph Michail, do Centro de Astrofísica de Harvard e Smithsonian, explica assim: «26.000 anos-luz podem não parecer uma grande distância em termos astronómicos, mas é substancial». Mesmo que a radiação fosse intensa, a Terra continuaria protegida por várias camadas: a atmosfera, o campo magnético e o próprio disco de gás da galáxia, que absorveria grande parte da energia. Não é a primeira vez que Sagitário A* acorda. Observações recentes feitas pelo telescópio IXPE da NASA revelaram que há apenas 200 anos este buraco negro sofreu uma erupção menor. Mais atrás no tempo, os astrónomos suspeitam que uma erupção ainda mais poderosa deu origem às chamadas «Bolhas de Fermi».
Em suma, o «despertar» de Sagitário A* dentro de milhares de milhões de anos não significará o fim da vida na Terra, mas será mais um capítulo na história cósmica da Via Láctea. Como resumiu o professor Frenk: «Há algo na forma como as galáxias crescem que é controlado pelo crescimento do buraco negro no seu centro».
