O ouro é um termómetro emocional do mundo?

Sempre que o índice do medo — o VIX — dispara, o valor deste metal acompanha-o. Há algo curioso nos mercados: quando todos ficam assustados, o ouro sobe. Enquanto os índices bolsistas se movem como montanhas-russas e os bancos centrais tentam dissipar a névoa com medidas, o metal mais antigo do mundo acaba de quebrar o seu próprio recorde: mais de 4.000 dólares por onça, o nível mais alto da história.

Um estudo clássico de Daniel Kahneman e Amos Tversky (1979) demonstrou que as pessoas sentem a dor de uma perda com o dobro da intensidade da alegria de um ganho equivalente. Nos mercados, essa assimetria traduz-se num comportamento coletivo: quando o medo sobe, o ouro também sobe. De facto, sempre que o índice do medo — o VIX — dispara, o ouro acompanha-o: a sua correlação positiva intensifica-se em momentos de incerteza geopolítica ou recessão.

Quando o ouro sobe, o que sobe é o medo

Ao contrário das ações ou obrigações, o ouro não produz nada: não paga dividendos, não inova, não lança novas versões. Mas tem algo que nenhum outro ativo oferece: confiança em meio ao caos. Quando as pessoas percebem que os governos não estão no controle — seja por inflação, conflitos ou dívidas crescentes — o ouro volta a ser um refúgio. E também quando os investidores sentem que as ações já valem mais do que deveriam: nesse ponto, o instinto os leva a proteger o que ganharam. Hoje, com guerras abertas, eleições polarizadas, bloqueios políticos nos Estados Unidos e novas tarifas comerciais, os investidores procuram jogar pelo seguro para se protegerem.

Um refúgio que brilha quando o resto se apaga

O preço do ouro não sobe por magia: sobe porque milhões de pessoas e instituições movem o seu dinheiro para algo «mais seguro». Por trás de cada dólar que entra no ouro, há uma emoção: cautela ou desconfiança. Desconfiança nos preços, nas consequências das guerras, nas moedas, nos governos ou nos discursos. E quanto maior é a diferença entre os anúncios e o que se sente, mais o ouro brilha.

Os bancos centrais também se protegem

Já não são apenas os pequenos aforradores que procuram refúgio. De acordo com o World Gold Council, os bancos centrais compraram mais de 1.037 toneladas de ouro em 2023, o valor mais alto em meio século, e em 2025 já somam mais de 300 toneladas adicionais. Embora as empresas tecnológicas, como a Apple, a Nvidia ou a Microsoft, continuem a bater recordes de lucros, os grandes fundos não abandonam o ouro: usam-no como um seguro emocional, um ativo que não promete crescimento, mas sim tranquilidade. Num mundo saturado de promessas — criptomoedas que sobem e descem, startups que reduzem pessoal, economias que prometem descolar —, o ouro oferece algo que poucos ativos oferecem: uma sensação de controlo.

Uma metáfora da época

O boom do ouro não fala apenas de economia: fala de nós. Em tempos de mudanças e acesso rápido à informação, nasce uma busca por segurança, pela nossa ansiedade coletiva, pelo cansaço de viver num sistema que muda muito rapidamente. O ouro é o voto de desconfiança mais elegante do mundo: um metal brilhante que, sem dizer uma palavra, reflete os medos, as dúvidas e os limites da confiança global. Talvez o ouro não meça a força do sistema, mas sim a sua fragilidade. Será este recorde um sinal de um mercado com medo de perder o que acumulou em ganhos?

Alisia Pereira/ author of the article

Escrevo artigos, partilho ideias simples que tornam a vida mais fácil.

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