O mistério de Glosel: uma descoberta rural que dividiu a ciência e causou uma tempestade arqueológica em França

Vasos, ossos e inscrições misteriosas foram encontrados numa aldeia em Auvergne, o que levou a investigações oficiais, teorias contraditórias e uma avalanche de artigos na imprensa da época Na década de 1920, uma pequena aldeia na região de Auvergne, no sul da França, tornou-se inesperadamente o palco de uma grande controvérsia arqueológica: o caso Glosel.

Tudo começou quando vários camponeses, enquanto realizavam trabalhos agrícolas, encontraram objetos antigos enterrados nas suas terras. Esta descoberta, que inicialmente foi considerada a nível local, rapidamente atraiu tanto amadores como cientistas de renome. O local tornou-se o centro de intensos debates públicos e académicos, alimentados por descobertas misteriosas e pela atenção constante da imprensa. As disputas entre arqueólogos, a criação de comissões oficiais, inúmeros artigos de jornal e suspeitas de falsificação tornaram Glosel um caso emblemático.

A descoberta que surpreendeu a ciência francesa

Em março de 1924, vários agricultores que cultivavam a terra nos arredores da pequena aldeia de Glosel encontraram fragmentos de cerâmica e ossos estranhos. O que parecia ser um resíduo agrícola comum despertou a sua curiosidade. Os objetos encontrados não tinham uma explicação clara e, intrigados, os moradores locais recorreram a um médico da cidade vizinha de Vichy, Antonin Morle, conhecido por seu amor pela arqueologia.

Morle chegou rapidamente ao local e decidiu iniciar escavações sistemáticas. Após a sua intervenção, começaram a aparecer novas descobertas: vasos, ferramentas de pedra, pontas de flechas e, acima de tudo, misteriosas placas de barro com inscrições gravadas. O médico percebeu imediatamente que não se tratava apenas de um achado, mas de um local que poderia esconder segredos de grande importância histórica. Convencido de que se tratava de um achado excepcional e, dada a falta de interesse imediato por parte das autoridades, Morle assumiu a tarefa de investigar o local.

Monumento arqueológico de Glosel: surpresa e ceticismo

À medida que as escavações avançavam, a coleção de objetos encontrados aumentava, incluindo objetos pertencentes a diferentes períodos da pré-história, desde o Neolítico até a Idade do Bronze. Tanto os especialistas como os amadores que visitaram o local nos primeiros meses ficaram encantados com a variedade de materiais encontrados: cerâmicas finamente trabalhadas, ossos de animais, pingentes e objetos rituais. No entanto, o mais intrigante foram várias placas de barro com sinais gravados que, à primeira vista, pareciam um alfabeto desconhecido.

A surpresa levou Morle a publicar as primeiras investigações em 1925. Alguns viram nas inscrições uma possível ligação com a escrita fenícia, considerada a origem do alfabeto ocidental. Esta ideia foi revolucionária e despertou o interesse dos círculos académicos, mas também o ceticismo de muitos especialistas.

A cobertura jornalística intensifica a controvérsia

O caso de Glosel rapidamente chegou à imprensa. Jornais nacionais e estrangeiros começaram a enviar correspondentes para a pequena aldeia, seduzidos pelo mistério que envolvia as descobertas e pela possibilidade de reescrever a pré-história europeia graças a uma descoberta rural inesperada. Em poucos meses, centenas de artigos cobriram o andamento das escavações, a reação dos especialistas e as teorias que surgiram em torno do sítio arqueológico. A cobertura não se limitou ao âmbito científico: a imprensa deu atenção às descrições do ambiente local, aos debates entre especialistas e até mesmo a detalhes como as roupas dos arqueólogos.

A imagem da equipa de trabalho vestida com macacões azuis em vez das roupas habituais chamou especial atenção. O fluxo constante de informações, rumores e opiniões publicadas aumentou a repercussão do caso e alimentou discussões tanto na França como no exterior.

Intervenção de especialistas e relatório da comissão internacional

Devido ao crescente interesse e à escalada de opiniões contraditórias, as autoridades académicas e científicas francesas decidiram formar uma comissão internacional de especialistas para estudar o local. A delegação reuniu especialistas de diferentes países e áreas, incluindo arqueólogos e paleontólogos, com o objetivo de avaliar a autenticidade e a antiguidade dos objetos encontrados. A comissão visitou Glosel no final de 1927 e decidiu trabalhar em regime fechado, evitando declarações à imprensa durante a investigação. Em dezembro do mesmo ano, o grupo apresentou o seu relatório na Revue anthropologique. O veredicto foi categórico: os achados em Glosel não continham provas evidentes de que fossem tão antigos quanto afirmavam Morle e os seus seguidores. Além disso, o relatório condenava a ausência de métodos científicos rigorosos durante as primeiras escavações e questionava a autenticidade de vários objetos. Essas conclusões causaram novas tensões e geraram debates públicos. Apesar do relatório, numerosos defensores da descoberta continuaram a exigir uma revisão e um maior reconhecimento de Glazel.

O caso Glosel após o veredicto

Após a publicação do relatório, a controvérsia continuou. Antonin Morle e outros defensores responderam com argumentos públicos, tentando desacreditar as conclusões da comissão e apresentando análises e testemunhos que confirmavam a autenticidade da descoberta. A controvérsia chegou até mesmo a um nível pessoal, quando Morle acusou publicamente Dorothy Garrod de manipular a descoberta. O tempo não acalmou completamente as controvérsias. Investigadores independentes e associações de entusiastas continuaram a estudar as descobertas e o próprio objeto durante décadas, enquanto a comunidade científica mantinha posições contraditórias.

Até hoje, a autenticidade das descobertas de Glosel não tem uma resposta definitiva. Várias comissões e especialistas apontaram inconsistências e provável falsificação de muitos objetos, enquanto outros estudos confirmam a possível antiguidade de parte do material encontrado. Sem provas convincentes e consenso científico,o caso Glosel permanece um mistério e um exemplo clássico quando se trata de disputas arqueológicas não resolvidas.

Alisia Pereira/ author of the article

Escrevo artigos, partilho ideias simples que tornam a vida mais fácil.

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