Cientistas chineses descobrem no ADN do ratinho o segredo da sua incrível longevidade

Um estudo revela as chaves da extraordinária capacidade do roedor de viver dez vezes mais do que deveria, sem cancro ou doenças degenerativas associadas à idade. Aplicado em moscas, obtiveram «supermoscas»

Há uma lei de ferro na Natureza: quanto maior o tamanho de uma espécie, mais seus membros vivem. É por isso que as baleias superam os elefantes em expectativa de vida e estes superam os leões. São muito poucos os animais que não seguem essa lei. Os humanos a burlaram graças à cultura. Mas há um pequeno animal que ri dela. Devido ao seu tamanho, o rato-espinhoso (Heterocephalus glaber) não deveria viver mais de dois anos, mas costuma chegar aos quarenta. Além disso, envelhece de forma saudável, sem doenças associadas à idade, como cancro, neurodegenerativas ou artrose. Agora, uma investigação publicada na Science aponta para quatro mutações que tornam a sua reparação do ADN uma máquina perfeita.

Um grupo de cientistas chineses, utilizando técnicas avançadas de terapias genéticas, investigou o envelhecimento a nível celular do ratinho para tentar explicar a sua extrema longevidade. O roedor, que vive em colónias de duas ou três dezenas de indivíduos amontoados nas regiões que rodeiam o Corno de África, fascina a ciência há décadas. Nesta ocasião, os investigadores centraram-se na maquinaria para reparar o ADN. Um dos danos mais graves que pode sofrer são as chamadas quebras na dupla cadeia (a dupla hélice) do ADN. Nesses casos, ambas as fitas perdem material genético. É algo natural, resultado do ciclo de replicação e divisão celular. Para reparar esses danos, as células recorrem à recombinação homóloga, na qual moléculas de ADN idênticas ou muito semelhantes emprestam fragmentos genéticos. Nesse processo, a ativação de uma enzima chamada cGAS é fundamental.

“A cGAS do ratopín funciona de maneira oposta à dos humanos e ratos na regulação da reparação por recombinação homóloga”, diz Yu Chen, investigador da Universidade Tongji de Xangai (China) e primeiro autor da investigação, num e-mail. «As células do ratinho apresentam taxas de crescimento mais lentas. Portanto, os danos no ADN podem persistir por mais tempo nessas células sem serem reparados, o que eventualmente levaria a uma inflamação estéril e ao início do envelhecimento», lembra Chen. Entre os ratos-do-mato raspados existe uma divisão de trabalho acentuada, vista anteriormente apenas em insetos eussociais, como formigas ou abelhas. Na imagem, um desses roedores num zoológico.

Mas as enzimas desses roedores permanecem ativas por mais tempo, o que lhes permite recrutar mais elementos que, como os mecânicos de uma oficina, conseguem prolongar a estabilidade do genoma dentro do núcleo de cada célula. Os investigadores descobriram que o que diferencia essas enzimas de suas contrapartes humanas ou de ratos de laboratório são quatro mutações em quatro aminoácidos. Eles observaram que elas promoviam “o recrutamento de fatores de reparação do ADN nos locais danificados e melhoravam a eficiência da reparação; isso, a longo prazo, ajuda a melhorar o envelhecimento celular e dos tecidos e a prolongar a vida útil”, explica Chen.

Para confirmar o papel dessas quatro mutações, eles modificaram geneticamente exemplares da mosca-da-fruta (Drosophila melanogaster), o inseto mais estudado em laboratórios e sobre o qual se sabe quase tudo. Algumas moscas foram manipuladas para expressar a enzima cGAS humana, enquanto outras tinham a mesma enzima, mas com as quatro mutações identificadas nos ratos. Quase criaram supermoscas: as que tinham o material dos roedores melhoraram o seu sistema digestivo, mostraram maior agilidade mesmo em idades avançadas, também apresentaram maior resistência a infeções e as fêmeas mantiveram a sua capacidade de pôr ovos quando envelheceram. Mais ainda: enquanto as moscas com material genético humano viveram o mesmo que as não modificadas (cerca de 70 dias), as que carregavam a genética do ratinho viveram mais algumas semanas.

Fizeram algo semelhante com ratos de laboratório, modificados para expressar enzimas de ratos normais ou com alterações nos quatro aminoácidos que identificaram. Após dois meses, observaram que os ratos com o cGAS do rato careca apresentavam menos sinais de envelhecimento geral e senescência celular em particular. Quando foram procurar quais outros roedores têm essas enzimas com o mecanismo de funcionamento invertido, os investigadores descobriram que apenas duas outras espécies têm essas alterações de aminoácidos na sua maquinaria celular: a esquilo cinzento e a ratazana-toupeira-cega. «A esquilo cinzento e a ratazana-toupeira-cega têm uma esperança de vida superior a 20 anos», conclui Chen.

Num comentário também publicado na Science, cientistas da Universidade de Rochester (Estados Unidos) que estudam o envelhecimento destacam a descoberta do papel diferencial das enzimas cGAS graças a apenas quatro alterações que, «em última análise, resultam em taxas mais elevadas de reparação do ADN». Uma das signatárias deste artigo é Vera Gorbunova, que há anos estuda o ratinho como modelo para estudar as causas do envelhecimento. Num e-mail, ela diz: «A lição que aprendemos é que, ao modificar a cGAS ou a sua via descendente, podemos melhorar a estabilidade do genoma, reduzir a inflamação e promover a longevidade e a saúde».

Manel Esteller é outro grande especialista no estudo do envelhecimento, no seu caso no Instituto de Investigação contra a Leucemia Josep Carreras. O ratinho também lhes interessa por sua excepcional resistência ao cancro. “Essa forma final diferente do gene cGAS faz com que ele induza uma rápida reparação dos erros e quebras do material genético, o que retarda o envelhecimento de suas células e aumenta sua longevidade”, observa Esteller. O cientista catalão lembra que deve haver outros fatores além do descoberto pelo grupo de Chen que contribuem para a “incrível longevidade do ratinho em condições de vida extremas, mas a descoberta é significativa porque mostra como a evolução molda os nossos genes para nos dar uma vantagem de sobrevivência em função do nosso ambiente”.

Mamíferos em formigueiros

Outro trabalho, também recém-publicado, revela todos os segredos da estrutura social do ratinho-toupeira, que vive em colónias muito semelhantes às das formigas. Porque o ambiente em que estes roedores — também chamados ratos-toupeiras nus — vivem é tão especial quanto a sua biologia molecular. Sabia-se que nas suas colónias apenas uma das fêmeas se reproduz, acasalando com dois ou três machos. As restantes são estéreis. Mas pouco mais se sabia sobre a sua estrutura e organização social. O facto de viverem amontoados, uns sobre os outros, em cavidades subterrâneas estreitas não facilitava o estudo da sociedade dos ratos-toupeiras. E então surgiu a tecnologia RFID. A Universidade de Tóquio (Japão) tem uma das maiores coleções de ratos-toupeiras em cativeiro, mais de uma centena distribuída por cinco colónias. O que fizeram e detalham na Science Advances foi inocular-lhes uma minúscula etiqueta RFID (como as que muitos produtos têm para que o alarme dispare). Assim, podiam identificá-los a qualquer momento.

Até agora, acreditava-se que não havia divisão de tarefas entre os não reprodutores, além do facto de os maiores e mais velhos serem responsáveis pela defesa da colónia contra predadores e grupos rivais. Mas a coisa não é tão simples assim. Descobriu-se que, enquanto alguns ratos parecem especializados na limpeza da câmara onde urinam e defecam, outros são responsáveis pela lixo, enquanto há um grupo dedicado ao transporte. Para os autores, esta espécie de mamíferos tem uma divisão de tarefas conhecida como polietismo temporal, em que os membros da comunidade realizam diferentes tarefas de acordo com a sua idade. Abelhas, formigas ou térmitas são espécies que funcionam desta forma. E agora sabe-se que também os ratos-do-campo raspados.

Alisia Pereira/ author of the article

Escrevo artigos, partilho ideias simples que tornam a vida mais fácil.

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