Um estudo pioneiro com um vaso de alabastro inscrito em quatro línguas revela que os opiáceos tinham um papel mais amplo na sociedade do Antigo Egito do que se acreditava, desmontando teorias centenárias.
Uma equipa de investigadores da Universidade de Yale conseguiu identificar cientificamente o conteúdo de um valioso vaso de alabastro egípcio com o nome do rei persa Xerxes I, que morreu em 465 a.C. Os resultados indicam que o vaso continha ópio.
A descoberta, obtida através da análise de resíduos orgânicos, fornece a evidência mais clara até à data de que os opiáceos eram um componente mais difundido e sistemático do que se pensava nas sociedades antigas, transcendendo o seu uso ocasional ou meramente simbólico. O estudo centra a sua atenção num objeto excecional: um alabastrón (um vaso de forma característica) com cerca de 22 centímetros de altura, fabricado em alabastro egípcio — na verdade, calcita — e conservado na Coleção Babilónica de Yale.
O que torna este recipiente especialmente valioso são as inscrições gravadas na sua superfície em quatro línguas antigas: acádio, elamita, persa e egípcio. Estas inscrições proclamam o nome de Xerxes I e o seu título de Grande Rei. Uma anotação em demótico, uma escrita egípcia tardia, especifica até a capacidade do recipiente: cerca de doze unidades de medida, equivalentes a aproximadamente 1.200 mililitros.
Vasos de alabastro com inscrições como este são extremamente raros. Os investigadores estimam que existam menos de dez exemplares intactos em todo o mundo, e geralmente estão ligados a contextos de elite, como o Mausoléu de Halicarnasso ou túmulos de altos dignitários. A opinião académica geral tem sido que esses alabastros foram produzidos, e pelo menos inicialmente inscritos, no Egito, explica o estudo. Acredita-se que faziam parte dos tributos ou presentes enviados do Egito para os palácios da Mesopotâmia, para depois serem distribuídos entre as elites do Império Aqueménida, que os valorizavam tanto que os levavam para a tumba.

No entanto, durante mais de um século, o conteúdo real destes vasos foi um mistério que gerou todo o tipo de especulações. Oscilou amplamente desde a teoria comum de cosméticos ou perfumes até à hipótese imaginativa de mensagens privadas ocultas entre o rei e os seus oficiais, revela a investigação. Agora, a ciência pôs fim à conjectura.
A ciência que fala onde os textos se calam
Para revelar o segredo que o vaso guardava há 2.500 anos, a equipa do Programa de Farmacologia Antiga de Yale (YAPP, na sigla em inglês) aplicou uma técnica de análise de resíduos orgânicos (ORA) não destrutiva. Isso significa que eles puderam extrair amostras para análise sem danificar o valioso objeto.
O método, aperfeiçoado ao longo de duas décadas, consiste em introduzir no interior do vaso etanol quente, um solvente eficaz e pouco tóxico, e agitar suavemente durante aproximadamente um minuto. Esta «lavagem» permite que o solvente arraste as minúsculas partículas das substâncias orgânicas que impregnam a parede de calcite do vaso. O líquido resultante é filtrado e posteriormente analisado através de uma técnica analítica muito sensível chamada cromatografia de gases acoplada à espectrometria de massa (GC-MS), capaz de identificar moléculas específicas mesmo em concentrações mínimas.
Os resultados, representados num gráfico ou cromatograma, foram inequívocos. As amostras extraídas do alabastrón de Yale mostraram a presença de vários alcalóides do ópio: noscapina, hidrocotamina, morfina, tebaína e papaverina. Estes compostos são, nas palavras do estudo, biomarcadores diagnósticos bem conhecidos para o ópio. É a impressão digital química da papoila-dormideira (Papaver somniferum).
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Os investigadores encontraram um «eco» dos seus resultados em análises anteriores de vasos de calcita e de pequenos recipientes cerâmicos cipriotas, conhecidos como jarras Base Ring, encontrados numa tumba da época do Império Novo em Sedment (Egito), e que agora se encontram conservados no Penn Museum. Esses jarros, que pela sua forma se assemelham a cápsulas de papoila, já tinham sido associados ao ópio por alguns investigadores, mas o seu conteúdo só recentemente foi verificado empiricamente de forma definitiva.
Os vasos de alabastro de Sedment, contemporâneos desses jarros cipriotas, também apresentavam manchas evidentes de um resíduo escuro e fortemente aromático, uma descrição que coincide com a do alabastro de Yale. A análise dos resíduos dos vasos de Sedment também revelou, embora em um estado mais degradado, vários dos mesmos biomarcadores de ópio. Isso sugere uma tradição contínua ou, pelo menos, um conhecimento generalizado do uso dessas substâncias.
Reinterpretando o passado: opiáceos no túmulo de Tutancâmon?
O impacto desta descoberta vai além de um único vaso. Os autores do estudo ousam repensar um dos conjuntos arqueológicos mais famosos da história: o túmulo do faraó Tutankhamon (KV62). Howard Carter descobriu nele, em 1922, uma grande quantidade de vasos de alabastro egípcio de requintada elaboração. Em muitos casos, esses vasos ainda continham restos orgânicos de cor castanha escura e pegajosos, com um odor característico.
Na década de 1930, o químico Alfred Lucas analisou esses conteúdos e, de forma pioneira para a época, chegou a uma conclusão surpreendente: apenas um punhado desses vasos poderia ter contido unguentos ou perfumes. Para a grande maioria, ele não conseguiu identificar a sua natureza e classificou-os oficialmente como «incertos». O estudo atual propõe uma explicação ousada: Portanto, é iminentemente possível, se não provável, que pelo menos alguns dos muitos vasos de calcita restantes de facto continham opiáceos como parte de uma tradição egípcia antiga e duradoura que estamos apenas a começar a compreender.
Esta reinterpretação é reforçada por um detalhe histórico curioso. Carter documentou que o túmulo de Tutankhamon foi saqueado em duas ocasiões antigas. A primeira centrou-se em metais preciosos, mas a segunda foi mais metódica e visou especificamente o conteúdo dos vasos de alabastro. Os ladrões chegaram a enfiar a mão dentro deles para raspar os restos orgânicos até o fundo, deixando marcas de dedos visíveis, e usaram sacos de couro para levar o saque. É duvidoso que os unguentos e aromáticos padrão, por mais úteis que fossem, pudessem ter suscitado extremos tão gananciosos por parte de ladrões dedicados, argumentam os investigadores.
O estudo também esclarece a razão pela qual o alabastro egípcio (calcita) era o material preferido para estes conteúdos. A calcita tem uma natureza lipofílica forte, ou seja, atrai e retém moléculas orgânicas gordurosas. Os investigadores observaram que, ao contrário do que acontece com os vasos de cerâmica, as primeiras «lavagens» com solvente no alabastro de Yale extraíram praticamente todos os resíduos detectáveis, enquanto as seguintes ficaram quase limpas.

A sua teoria é que a própria estrutura de calcita do recipiente agiu como uma esponja, preservando uma massa crítica dos frágeis compostos do ópio durante milénios, mas libertando-os de forma imediata e eficaz perante o solvente quente. Isto sugere que a escolha da calcita não foi apenas estética, mas também funcional, ideal para conservar e, possivelmente, realçar ou proteger certas substâncias orgânicas valiosas.
A descoberta no vaso de Yale tem implicações de longo alcance. Ela descarta especulações tradicionais que persistiram durante um século, como a de que esses recipientes guardavam apenas cosméticos ou mensagens secretas. Em vez disso, revela uma prática cultural e farmacêutica mais complexa.
O estudo conclui que, com base nas amostras de resíduos orgânicos recolhidas na Coleção Babilónica de Yale e no Museu Penn, agora há evidências suficientes para sugerir que pelo menos alguns tipos de vasos de alabastro egípcio tinham uma ligação cultural direta com o armazenamento, preparação e consumo de ópio, além de uma utilização mais geral da calcita.
E acrescenta: a realidade de um programa significativamente mais complexo e sistemático de uso de opiáceos nas culturas do antigo Egito e terras vizinhas lança uma nova luz sobre descobertas arqueológicas passadas e promove conclusões mais matizadas relacionadas com os vasos de alabastro egípcio.
Esta descoberta reescreve um capítulo da história antiga e, ao aprofundar o papel cultural dos opiáceos no passado, pode oferecer perspetivas valiosas para compreender a complexa relação da humanidade com estas substâncias no presente. A farmacopeia antiga, longe de ser primitiva, revela-se mais uma vez como um campo de conhecimento sofisticado cujo estudo apenas começou.
