A praga britânica de polvos

A origem deste fenómeno é desconhecida. «Nos últimos dois ou três meses, esta costa recebeu a visita de uma praga perfeita de polvos. Eles praticamente arruinaram o setor e muitos armadores amarraram os seus barcos por desespero. Eles devoram tudo, incluindo caranguejos, lagostas, ostras e todos os mariscos com concha. São os animais mais repugnantes». «No departamento de Finistère, são tão abundantes que é quase impossível mover uma pedra na praia sem encontrar um ou vários desses parasitas».

Ambos os excertos de notícias de há mais de um século constam de um estudo do famoso ictiólogo britânico Walter Garstang, publicado no próprio ano de 1900, sob o título A praga dos polvos e os seus efeitos na pesca do caranguejo e da lagosta. Uma explosão sem precedentes desta espécie — concentrada nos condados de Devon e Cornualha e no Canal da Mancha — que se repetiria no início dos anos 20 — no lado francês do canal — e em 1950. E que voltou com força às mesmas costas, para surpresa de cientistas e pescadores. Isso não só levou a um projeto urgente e extraordinário de investigação, com a participação da Marine Biological Association (MBA) ou do Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais (Defra) do governo britânico, como também irrompeu com força na campanha de Natal em que já trabalham as empresas galegas de comercialização de produtos do mar.

«É quase impossível conseguir buey de mar ou vieiras», explica o proprietário de uma empresa sediada em Vigo. Porque, como expõe a MBA, os polvos entram nas armadilhas e alimentam-se precisamente dessas espécies-alvo, com enorme penetração na Galiza de cara às refeições festivas de fim de ano. A proliferação maciça deste cefalópode no sul de Inglaterra poderia ser uma bênção, tendo em conta que não está sujeito a quotas e tem muito valor no mercado. O problema é que o setor pesqueiro inglês não trabalha com este recurso, não tem uma cadeia que permita a sua distribuição eficaz, não é capaz de tirar partido dele. «Oferecem paletes de mercadoria com polvos entre 800 gramas e 5 quilos, assim é impossível vendê-los», constatam as mesmas fontes.

A elevada temperatura dos últimos verões, uma das possíveis causas

Walter Garstang já havia aventurado que a gigantesca «prevalência [do polvo] está relacionada com a elevada temperatura dos últimos verões». Esta mesma semana, o investigador associado da MBA Keith Hiscock associou a atual «praga» ao mesmo fenómeno, com «um aumento de dois ou três graus» na temperatura do mar, em paralelo com o facto de os dois últimos invernos terem sido especialmente amenos. Mas as causas concretas ainda são desconhecidas, daí a investigação em curso com a participação do setor, de oceanógrafos e de ictiólogos.

«Nas zonas de pesca costeira de caranguejo e lagosta, os polvos têm demonstrado tal depredação destas espécies que os marinheiros se viram obrigados a procurar outras formas de ganhar a vida», continuava o Fishing Gazette londrino em 1900. Agora é a vez dos comerciantes de peixe e marisco procurarem matéria-prima por todo o lado para satisfazer a procura da campanha de Natal, que será sem dúvida mais cara. Porque, além da escassez de caranguejo ou vieira inglesa, há uma grande procura por lulas, camarão argentino ou bacalhau a bons preços.

Alisia Pereira/ author of the article

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