Descubra como uma rainha de formigas cria duas espécies dentro da mesma colónia

O estudo científico, publicado na revista Science, indica que essa fêmea pode pôr ovos que dão origem a operárias de linhagens diferentes. Por que a descoberta desafia o que se sabia sobre a reprodução e a formação de espécies em insetos sociais. Uma descoberta publicada recentemente na revista Science chama a atenção do mundo científico: pela primeira vez, é documentado o caso de uma rainha de formigas capaz de pôr ovos que dão origem a duas espécies diferentes.

Este fenómeno foi observado na natureza e confirmado em laboratório, colocando o estudo no centro da biologia evolutiva e da entomologia. A descoberta, feita por uma equipa internacional de investigadores, levanta novas questões sobre os mecanismos de diversificação e a plasticidade reprodutiva em insetos sociais. A observação inicial ocorreu numa colónia selvagem, onde os cientistas identificaram uma rainha que, inesperadamente, produzia descendentes com morfologia claramente diferenciada. A análise genética posterior corroborou que os ovos eclodiam em dois tipos de operárias, cada uma pertencente a espécies distintas, o que descartou a hipótese de manipulação externa por parte de outras colónias ou espécies invasoras.

Descrição das espécies de formigas envolvidas e sua relação evolutiva

O estudo analisa duas espécies de formigas Cataglyphis adaptadas a ambientes áridos O estudo centra-se em duas espécies do género Cataglyphis, formigas especializadas em sobreviver em condições áridas. Ambas mantêm uma relação evolutiva especialmente próxima, o que permitiu aos investigadores explorar os limites da especiação e da hibridação entre espécies próximas.

Segundo a equipa, a rainha pertencia formalmente a uma das espécies, mas era portadora de material genético suficiente para produzir descendência viável da outra espécie, através de diferentes modalidades reprodutivas. As diferenças morfológicas e comportamentais entre as duas espécies são apreciáveis, embora partilhem boa parte das suas características ecológicas.

Os cientistas destacam que este tipo de reprodução, em que uma rainha origina descendentes de ambas as linhagens, só pode ocorrer entre espécies com parentesco próximo e com mecanismos de especiação incompletos. Desta forma, o caso funciona como um modelo natural para estudar como a diversidade biológica é gerada e mantida ao nível das espécies.

Observação e experiências da equipa de investigação

A rainha gerou ovos que deram origem a indivíduos de ambas as espécies, de acordo com os resultados do estudo Após a observação inicial, a equipa científica transferiu a colónia para o laboratório para realizar experiências controladas. Utilizaram técnicas de marcação genética e acompanhamento do comportamento para descartar a possibilidade de intrusões de outras rainhas ou adulteração por parte de operárias parasitas. Os ovos foram monitorizados desde a postura até à eclosão, documentando em detalhe a sequência de desenvolvimento de cada espécie.

Os resultados confirmaram que a rainha, sozinha, gerava ovos que se desenvolviam em indivíduos de ambas as espécies. Técnicas de análise molecular corroboraram a identidade genética de cada operária nascida, demonstrando a autenticidade do processo. O estudo incluiu também a comprovação de que as duas espécies podiam coexistir na mesma colónia sob certas condições, o que levanta novas questões sobre a dinâmica social e os limites da cooperação entre espécies.

Mecanismo biológico que permite a postura de ovos de ambas as espécies

O mecanismo biológico por trás desse fenômeno parece estar ligado à reprodução sexual e à partogênese. A rainha é capaz de se reproduzir sexualmente e também por meio de um processo de clonagem parcial do seu material genético. Isso permite-lhe gerar ovos que, após a fertilização ou duplicação do seu genoma, adquirem as combinações necessárias para se desenvolverem numa ou noutra espécie.

Os investigadores sugerem que a hibridização incompleta, juntamente com a plasticidade genómica, permite à rainha contornar as barreiras reprodutivas habituais. Neste contexto, fatores como o ambiente, a seleção natural e a frequência das hibridizações podem desempenhar um papel relevante na geração de novas espécies ou na manutenção de zonas de contacto evolutivo entre espécies vizinhas. O estudo revela que uma rainha de insetos sociais pode gerar operárias de duas linhagens diferentes

Implicações da descoberta para a biologia evolutiva e a especiação

O caso documentado pelos investigadores traz uma nova perspetiva sobre a formação de espécies e a flexibilidade dos mecanismos reprodutivos em insetos sociais. Ao mostrar que uma única rainha pode produzir operárias de duas linhagens divergentes, a descoberta desafia as ideias estabelecidas sobre a impermeabilidade das barreiras entre espécies na natureza.

Especialistas em biologia evolutiva destacam que, além do caso específico, a descoberta obriga a reconsiderar a definição operacional de espécie, bem como os caminhos possíveis para o surgimento de novas formas de vida. Além disso, o fenómeno pode lançar luz sobre a frequência real de eventos de hibridização na natureza e o seu papel na diversificação dos animais sociais, incentivando futuras investigações em outros grupos de insetos e organismos relacionados.

Alisia Pereira/ author of the article

Escrevo artigos, partilho ideias simples que tornam a vida mais fácil.

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