A criança, alérgica a ovos, recebeu Propofol, um anestésico que contém lecitina de ovo, sem que fosse realizado um estudo pré-anestésico completo, sem a monitorização e o registo anestésico adequados e com atraso na assistência de urgência
O Supremo Tribunal elevou para um total de 1,2 milhões de euros a indemnização que a seguradora Agrupación Mutual Aseguradora (A.M.A.) terá de pagar aos pais de uma criança que sofreu graves sequelas neurológicas como consequência de uma paragem cardiorrespiratória durante uma ressonância magnética, sob sedação, numa clínica de Valladolid.
A sentença do Tribunal Superior acolhe o recurso extraordinário interposto pelos pais da vítima, assessorados pelo advogado Santiago Díez, da Associação «El Defensor del Paciente», no processo iniciado por violação processual e declara a obrigação da A.M.A. de pagar 600 000 euros de indemnização, acrescidos dos juros de mora previstos no artigo 20.º da Lei do Contrato de Seguro (LCS) a partir da data dos factos — 5 de dezembro de 2012 — até ao pagamento da indemnização (outros 614 000 euros).
O Supremo Tribunal castiga assim a demora da A.M.A. e eleva para mais de 1,2 milhões a indemnização por negligência médica a um menor, pronunciamento recolhido pela Europa Press que, segundo o Defensor do Paciente, representa um marco em matéria de responsabilidade civil sanitária, por se tratar de uma questão muito controversa e que raramente é julgada judicialmente a favor dos lesados. Além disso, implica uma condenação pecuniária de enorme envergadura, uma vez que os juros acumulados durante quase uma década multiplicam de forma muito significativa o montante final a pagar pela seguradora, ultrapassando largamente o milhão de euros.

O caso remonta a dezembro de 2012, quando o menor, de 15 meses, sofreu uma paragem cardiorrespiratória durante uma ressonância magnética sob sedação numa clínica de radiodiagnóstico em Valladolid. Apesar de ter alergias alimentares (ovo, leite de vaca, frutos secos e marisco), foi-lhe administrado Propofol, um anestésico que contém lecitina de ovo, sem realizar um estudo pré-anestésico completo, sem a monitorização nem o registo anestésico adequados e com atraso na assistência de urgência.
INVALIDEZ DE 90%
A criança ficou com uma incapacidade de 90%, o que levou o Tribunal de Primeira Instância n.º 91 a declarar a responsabilidade civil direta da seguradora A.M.A., condenando-a a pagar 600 000 euros mais os juros do art. 20 LCS a partir da data do sinistro (5 de dezembro de 2012).
Recorrida a sentença pela seguradora, a 18ª Secção do Tribunal Provincial confirmou a condenação, mas alterou o «dies a quo» dos juros, fixando-o em 17 de abril de 2017, o que reduziu drasticamente o montante total dos juros acumulados. Desta forma, o Tribunal Provincial impôs aos pais o ónus — impossível — de provar a partir de que data a seguradora do médico tinha conhecimento dos factos que motivaram a ação, como se dependesse deles comunicar o sinistro à seguradora de responsabilidade civil que o próprio médico tinha contratado.
Os pais, através do seu advogado, interpuseram então recurso de cassação por violação processual perante o Supremo Tribunal, questionando essa alteração, e a Secção Cível acolheu o recurso, declarando que: o artigo 20.6 da LCS estabelece que os juros são devidos a partir da data do sinistro; e é a seguradora, e não os lesados, que suporta o ónus de provar o seu desconhecimento do sinistro, o que neste caso não aconteceu. A Câmara sublinha que, tratando-se de um caso de danos desproporcionados, era exigível à seguradora um dever especial de diligência, pelo que não é credível que ignorasse um sinistro de tal gravidade.

Consequentemente, o Supremo Tribunal revoga parcialmente a sentença de recurso e confirma a condenação com juros do art. 20 LCS a partir de 5 de dezembro de 2012. A sentença do Supremo Tribunal não só restabelece a correta aplicação do artigo 20.º da LCS, como implica uma condenação pecuniária de enorme envergadura: sobre o principal de 600 000 euros, os juros de mora acumulados ascendem a quase 614 000 euros, o que eleva o montante total para 1 214 000 euros.
O advogado que conduziu o caso, Santiago Díez, sublinha que a sentença representa «um impulso decisivo para a proteção dos pacientes e a responsabilidade das seguradoras. Reconhece-se que não basta pagar com atraso: o atraso injustificado acarreta consequências económicas contundentes. Não só foi feita justiça à família afetada, numa luta contínua para que os responsáveis pagassem pela negligência cometida com o seu filho, como também se estabeleceu um precedente que servirá para impedir que as seguradoras utilizem táticas dilatórias em detrimento das vítimas».
No mesmo sentido, Carmen Flores, presidente da associação, salienta que «o montante final de mais de 1,2 milhões de euros reveste-se de especial importância se tivermos em conta as enormes necessidades de cuidados médicos, reabilitação, apoios técnicos e cuidados permanentes que requer uma criança com uma incapacidade de 90%. Esta decisão judicial representa não só um alívio económico para a família, mas também uma mensagem de esperança e justiça para tantas pessoas que passam por situações semelhantes, obrigadas a assumir uma enorme sobrecarga económica derivada das graves sequelas de uma negligência médica».
