Representações monumentais de camelos de 12.000 anos atrás descobertas na Arábia eram «sinais» indicando a presença de água

Ortofoto gerada a partir de um modelo 3D de alta resolução do painel, com traços que mostram 19 camelos e 3 equídeos em tamanho real (outro camelo foi documentado em um fragmento colapsado à esquerda da imagem). Uma figura humana foi adicionada no extremo esquerdo para indicar a escala (1,7 m). Uma equipa internacional de cientistas descobre um vasto complexo de arte rupestre com mais de 12.000 anos no deserto de Nefud, erguido por grupos humanos que recolonizaram o interior árabe após uma era de extrema aridez.

A implacável extensão do deserto de Nefud, no norte da Arábia Saudita, guardava um segredo esculpido na pedra que, após milénios de silêncio, começa a ser decifrado por um consórcio de arqueólogos que revelou o que é considerado um dos empreendimentos artísticos e simbólicos mais antigos e ambiciosos da pré-história da região. Trata-se de mais de 176 gravuras de animais, executadas em escala natural e com um naturalismo surpreendente, que decoram as paredes rochosas de três massivos montanhosos anteriormente inexplorados: Jebel Arnaan, Jebel Mleiha e Jebel Misma.

Este legado monumental, datado entre 12.800 e 11.400 anos antes do presente, surge como testemunho direto dos grupos humanos pioneiros que se aventuraram no interior da Arábia após as condições hiperáridas do Último Máximo Glacial (UMG). A descoberta é fruto do Projeto Arábia Verde, uma iniciativa que reúne a Comissão do Património do Ministério da Cultura saudita, o Instituto Max Planck de Geoantropologia, a Universidade King Abdullah de Ciência e Tecnologia (KAUST), o University College de Londres e o Centro Australiano de Investigação para a Evolução Humana da Universidade Griffith, entre outras instituições.

A investigação, que conseguiu identificar mais de 60 painéis de arte rupestre, centrou-se na borda sul do deserto de Nefud. As representações, que incluem camelos, íbexes, equídeos, gazelas e uros, destacam-se pelo seu tamanho e precisão. Das 176 figuras documentadas, 130 são em tamanho natural e de um estilo marcadamente naturalista, com algumas efígies de camelos que atingem comprimentos de até três metros e alturas que ultrapassam os dois metros, dominando visualmente a paisagem a partir das paredes rochosas.

Localização dos painéis a 34 m e 39 m de altura, e valas JMI7 e JMI8 (veículo do projeto para apreciar a escala). B saliências estreitas e inclinadas para baixo na frente do painel, vistas de cima.

A datação destas obras situa-as num período climático crucial, imediatamente após o UGM, caracterizado pelo retorno de fontes de água sazonais à região. Análises sedimentares realizadas pela equipa confirmaram a presença destes corpos de água efémeros, que atuaram como faróis de vida num território hostil, permitindo a sobrevivência e facilitando a expansão das populações humanas para o interior do deserto. Foi neste contexto de relativa abundância hídrica que floresceu a tradição artística agora descoberta.

A Dra. Maria Guagnin, investigadora do Instituto Max Planck de Geoantropologia e principal autora do estudo, sublinha o profundo significado social destas criações. Essas grandes gravuras não são simplesmente arte rupestre, afirma Guagnin. Sua escala e localização sugerem que provavelmente funcionavam como declarações de presença, de acesso a recursos críticos e como marcadores de uma identidade cultural específica. A hipótese aponta que essas obras serviam para comunicar, de forma explícita e duradoura, a relação de um grupo com seu território.

Esta interpretação é reforçada pelo Dr. Ceri Shipton, coautor do estudo e arqueólogo do Instituto de Arqueologia do University College de Londres, que destaca a função cartográfica e mnemónica da arte. A arte rupestre marca fontes de água e rotas de movimento, e é possível que também estivesse a significar direitos territoriais e uma memória intergeracional, transmitida através destas imagens imponentes, explica Shipton.

Os traçados destacam as camadas de gravuras, mostrando a fase 1 em verde, a fase 2 em amarelo, a fase 3 em branco e a fase 4 em tons de azul. A escala da arte rupestre é de 10 cm de largura.

O que torna este conjunto artístico único e o distingue de outros sítios conhecidos, onde as gravuras costumam estar localizadas em fendas ou locais recônditos, é a sua colocação em locais visualmente dominantes. Em Jebel Mleiha e Jebel Arnaan, os painéis foram inscritos em penhascos que se elevam até 39 metros de altura, transformando a paisagem numa gigantesca galeria ao ar livre.

A execução de algumas destas peças exigiu um esforço físico considerável e um risco evidente, obrigando os artistas pré-históricos a escalar e trabalhar em saliências estreitas e em posições precárias, um facto que sublinha a importância capital que estas comunidades atribuíam ao ato de gravar.

O contexto arqueológico mais amplo sugere que esses grupos não estavam isolados. Entre os artefactos recuperados nas proximidades encontram-se pontas de pedra do estilo levantino, classificadas como El Khiam e Helwan, além de pigmento verde e contas de dentalium. Esses objetos são indicativos de conexões de longa distância com populações do Neolítico pré-cerâmico (PPN) do Levante mediterrâneo, evidenciando uma rede de intercâmbio e interação que se estendia além da península arábica.

No entanto, apesar desses contactos, a escala, o conteúdo e a localização das gravuras constituem uma tradição cultural única. O Dr. Faisal Al-Jibreen, da Comissão do Património do Ministério da Cultura da Arábia Saudita, enfatiza este ponto.

Esta forma singular de expressão simbólica pertence a uma identidade cultural distinta, adaptada à vida num ambiente árido e desafiante, declara Al-Jibreen. As representações não são meras réplicas de estilos estrangeiros, mas a manifestação própria de uma sociedade que desenvolveu as suas próprias soluções e cosmovisão no coração do deserto.

O professor Michael Petraglia, diretor do Centro Australiano de Investigação para a Evolução Humana da Universidade Griffith e líder do Projeto Arábia Verde, coloca a descoberta numa perspectiva histórica mais ampla. A abordagem interdisciplinar do projeto começou a preencher uma lacuna crítica no registo arqueológico do norte da Arábia entre o Último Máximo Glacial e o Holoceno, observa Petraglia.

Essa lacuna, que abrange milénios cruciais para a compreensão da expansão humana, está agora a ser esclarecida, lançando uma nova luz sobre a resiliência e a inovação das primeiras comunidades que habitaram e humanizaram os desertos, deixando como legado gigantescas sombras do passado que desafiam o tempo.

Alisia Pereira/ author of the article

Escrevo artigos, partilho ideias simples que tornam a vida mais fácil.

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